Que a Lapa tem lugar de destaque no mapa da boemia carioca, ninguém discute. Mas o que pouca gente sabe é que, até agora, a região não tinha um lugar nas cartas geográficas da cidade, pois não passava de uma parte do Centro. A situação muda hoje, quando é publicada, no Diário Oficial, a lei sancionada pelo prefeito Eduardo Paes que torna a região independente. Agora, a Lapa é um bairro — de fato e de direito.
Na prática, pouca coisa (ou quase nada) muda. O ato tem um valor muito mais simbólico, já que se trata de uma área com características tão peculiares, argumenta o prefeito.
— As pessoas dizem que a Lapa renasceu. Mas, na verdade, eu acho que ela nunca esteve tão boa como hoje. É claro que ainda há uma série de problemas a serem resolvidos, mas esse é um processo gradual — diz Paes.
O desabamento parcial de um sobrado na Rua do Lavradio, na terça-feira, não deixa dúvidas: a região necessita de cuidados. Para resolver questões de segurança, limpeza e desordem urbana, que ainda deixam a desejar, o prefeito pretende implantar uma Unidade de Ordem Pública no bairro:
— É claro que a Lapa continuará com a sua característica de boemia e festa, mas tudo com ordem fica mais agradável.
Festa é o que não falta na Grande Lapa, que vai muito além da Avenida Mem de Sá e da Rua do Lavradio. O novo bairro começa na Rua André Cavalcanti (perto do Bairro de Fátima) e segue até a Glória, incluindo o Passeio Público e indo quase até a Praça Tiradentes.
Desde 2010, quando a Mem de Sá passou a ser fechada ao trânsito nas noites de sexta e sábado (entre 22h e 5h), o que era bom ficou ainda melhor, e o movimento cresce a passos largos. De um mês para o outro, abrem novos estabelecimentos — e fecham outros tantos.
— A nova Lapa fez aumentar os aluguéis de forma insustentável para uma galeria de arte com o perfil da nossa — lamenta Raimundo Rodriguez, sócio de A Caza Arte Contemporânea, que, depois de funcionar durantes 14 meses na Rua do Resende, foi obrigada a fechar as portas há 15 dias.
Para mapear a área em constante renovação, a equipe do Rio Show percorreu a Lapa e listou 101 bons motivos para bater perna por ali. Entre casas de show (que há tempos não são só mais do samba que ajudou a revitalizar não só a área, mas a música carioca), restaurantes, bares e lojas descoladas, destacamos lugares abertos há pouco tempo.
Entre elas, está o Só Kana, filial da tradicional casa de batidas da Tijuca, que abriu as portas no fim do ano passado num ponto cobiçado: o epicentro da muvuca, no início da Mem de Sá e de cara para os Arcos. O bar ocupa um casarão de três andares, mas as mesas mais concorridas são as que ficam ao ar livre, na calçada, de onde dá para comer e beber diante de um visual único.
Um pouco adiante, em frente ao Teatro Odisseia, desde fevereiro funciona o Catrin Gastropub, do casal Isabel Gouvêa e Renné Flores. Ela também é dona de um restaurante na Bahia; e ele, que é mexicano, tem um no seu país.
— O cardápio é prioritariamente mexicano, mas com uns toques da culinária baiana — explica Isabel, acrescentando que a carta de drinques, elaborada por Walter Garin (da escola de coquetelaria Shake-RJ), também mereceu atenção especial.
No palquinho montado no salão, rolam shows de música eletrônica, jazz, rock e blues. Pertinho dali, fica o La Esquina Teatro Bar. Funcionando em cima do Belmonte, na esquina (claro!) da Mem de Sá com a Lavradio, a casa foi aberta em janeiro no lugar do Lapinha. O espaço de 190 metros quadrados, com pé-direito alto e janelões, tem uma decoração que mistura elementos rústicos e modernos, um bar e um palco, onde, além de shows, haverá, em breve, peças. O menu no uruguaio Hernan Olguin traz pratos típicos de seu país, como champignons recheados com mozzarella de búfala e molho de shiitake com manjericão (R$ 25). A carta de drinques foi elaborada pelo barman Fabian Martinez, também uruguaio, e traz opções como o Amante Latino (vodca, abacaxi, hortelã, gengibre e água tônica, a R$ 16,90). A trilha sonora tem black music, rock e música eletrônica, sob o comando do DJ Leandro Ravaglia.
— A nossa ideia é criar um espaço que fuja do tradicional samba, chope e bolinho de bacalhau. Oferecemos opções de pratos e bebidas requintados, com um preço acessível ao frequentador do bairro — explica o gerente, Diego Speranza.
Boate com visual inspirado em Las Vegas
Quer outro exemplo da diversidade musical do bairro? Então visite a boate Tipsy, na Rua dos Inválidos, com visual inspirado em Las Vegas (!) e dois andares. O primeiro, ainda em obras, terá sushibar decorado com um megaaquário de carpas e pista de dança. No segundo, outra pista, com direito a camarotes.
— A nossa programação musical é bem variada. Vai desde o funk e eletrônico até o sertanejo — conta Christian Vieira, DJ residente da casa.
Se alguns fogem à tradição do samba, outros se agarram a ela — e com muito orgulho. É o caso do Sublime Relicário, que abriu em janeiro, na Gomes Freire, e é dos donos do extinto A Um Passo da Vila (em Vila Isabel), que era frequentado por figuras como Seu Jorge, Emílio Santiago, Beth Carvalho, Xande de Pilares, Fundo de Quintal e Mart’nália. Na decoração da nova casa, além de imagens do Rio, há fotos desses artistas tocando no antigo bar.
— A nossa casa em Vila Isabel era uma referência. Grandes artistas foram revelados lá. Agora, queremos continuar ajudando a revelar novos talentos. Por isso, abrimos espaço para jovens artistas — diz Ecy Airoldi, acrescentando que as segundas-feiras são dedicadas a artistas evangélicos.
O cardápio inclui pratos de massa e carnes. Um dos destaques é a cafta metida a besta, acompanhada de molho de hortelã e azeite (R$ 16). O bar tem cervejas, whiskys e vinhos importados, além de uma grande variedade de coquetéis.
Do outro lado do bairro, no limite com a Glória, outra boate faz barulho na noite. É a La Passion, na esquina das ruas Augusto Severo e Joaquim Silva. Com uma ampla estrutura, a casa conta com estacionamento próprio, sushi bar, uisqueria e tabacaria — além da pista de dança, claro.
— Nosso público é muito variado, e a trilha sonora vai de música eletrônica a black music. Uma novidade são as apresentações de stiletto, uma nova modalidade de dança, no terceiro andar — conta o gerente Damião Vieira de Souza.
Pertinho dali, um bar com toque de galeria de arte vem chamando a atenção de quem passa pela porta, na Rua da Lapa. O nome, Toca da Formiga, é uma referência à escultura gigante do inseto carregando um Fusca de verdade, que fica no meio do salão. A obra é de Márcio Barata e Cristina Moretti e, assim como todas as outras em exposição no local, está a venda. O preço: R$ 180 mil.
A programação é voltada para bossa nova, MPB e samba e jazz, em shows bem intimistas. O bar traz um cardápio com cervejas e uísques importados e nacionais. Já a cozinha, atualmente, é voltada exclusivamente para caldos, mas, em breve, a ideia é que seja ampliada.
— A Toca da Formiga é na verdade um ponto de cultura, em que a pessoa pode escutar boa música e apreciar obras de artistas plásticos variados — explica o dono do bar, Antônio Barros.
Sem medo de saturação, empresários continuam a investir na Lapa, que no mês que vem ganha mais duas casas bacanas. Uma delas é o Barzinho, sociedade de Rodrigo Penna (idealizador da festa Bailinho) e Fabio Battistella, sócio do Meza Bar e do Doiz, no Humaitá. Previsto para abrir dia 12 de junho, na Rua do Lavradio, terá shows, DJs convidados, espetáculos de stand-up comedy e esquetes teatrais.
— Colagens, cores, tipografia... O Barzinho traz muito do meu jeito de ver a arte e o mundo. Vou poder realizar muitas ideias que não cabiam no Bailinho. A casa será uma imensa colcha de referências minhas e do Fabio. Além de sermos amigos, somos da mesma geração — diz Penna.
O ambiente tem 350 metros quadrados, 12 metros de pé-direito e três andares. A cenografia, de Sergio Marimba, mescla imagens de santos com brinquedos antigos. Cartazes antigos de filmes e peças decoram as paredes, que também terão placas de acrílico coloridas.
A casa oferecerá drinques e cardápio assinado por Battistella, em parceira com a chef Fernanda Farte, com petiscos clássicos repaginados, como frango à passarinho, carne-seca, batata frita, croquete e escondidinhos e pastéis.
— O cardápio não é metido a besta, ao contrário, segue a linha popular, com ícones das mesas de bar da cidade, porém com opções que fogem do básico — conta Battistella.
Também em junho, o concorrido Enchendo Linguiça, do Grajaú, abre uma filial na esquina da Mem de Sá com a Inválidos. Instalado num casarão de três andares, o novo empreendimento dos irmãos Fernando Breschnik e Cláudio Toscano seguirá à risca a receita de sucesso da casa original, com embutidos caseiros e opções no cardápio como o tradicional joelho de porco à pururuca (R$ 49,90). Entre as opções do mar, novidades, como o bacalhão, um bolinho feito de bacalhau com camarão que não leva ovo ou farinha (R$ 4,20).
Outra casa que também está para inaugurar em breve — depois de anos de obras — é a Sarau, o primeiro sobrado do lado direito da Mem de Sá. Alvo de polêmica por ter aberto uma porta numa parede lateral que abrigava um grande painel de grafiteiros, a casa ainda não tem data de abertura definida. Procurados, os donos da casa preferiam não dar mais detalhes sobre o empreendimento.
Mais um endereço para reforçar o reinado da Lapa no mapa da boemia.
Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/agora-lei-boemia-da-lapa-esta-no-mapa-4934646#ixzz1vX72WzCF