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domingo, 10 de abril de 2011

SERGIO SANTEIRO E CINEMA

Sergio Santeiro é cineasta e professor de cinema da Universidade Federal Fluminense.

O cinema é uma ilusão. Imagens, fotogramas, fotografias, projetadas 24 por segundo criam a impressão de movimento. Seja como a ficção criadas ou como o documentário colhidas: a Chegada do Trem na Estação por Lumiére que assustava os espectadores ou a Viagem a Lua por Méliès que os encantava, juntando multidões nas feiras no final dos oitocentos.

Corte no tempo. Um dia fui na Lapa ver os filmes no Beco do Rato. Exibição ao ar livre. Não é por me gambá. Como os pioneiros tambem já fiz isto, no terraço do Parque Lage nos anos setenta e por alhures nos cineclubes que plantei por aí.
Filmes estranhos como não se via nas salas comerciais de exibição, geralmente ocupadas na quase totalidade pelo cinema estrangeiro, americano: carros, aviões, navios, foguetes a explodir, chocando-se, mocinhos disparando trezentos tiros a destroçar exércitos inimigos, índios, sem incomodar os espectadores refestelados em poltronas cada vez mais majestosas e macias.

O cinema é um espetáculo para entreter desde as crianças com as animações cada vez mais geométricas e agressivas como os adultos, adolescentes, com musicais, romances e patifarias ou adultos, com sexo, drogas e repressão. Custos aumentam, o preço de ingressos tambem. Mas aí tem a televisão, anos cinquenta, e o digital, anos atuais, que ao contrário do que o nome diz, não se escreve com o dedo, não há impressão senão a de realidade capturada em imagens.

Vimos como era simples, no início quando se fêz a luz, eram poucas as imagens, hoje tudo é imagem, imagem pra todo o lado, em telas, telonas, telinhas, minhas, suas, deles, as multidões que antes apenas assistiam hoje dedam no botão do celular e criam imagens aos milhões, entopem as redes, pra lá e pra cá.

Mas apesar de tanta liberdade de criação escassa é a de expressão: conglomerados compram e ocupam o máximo que podem os espaços de circulação. É fácil fazer filmes, difícil é fazer cinema. Fazer com que tantas imagens ao invés de aprisionarem na ilusão do espetáculo, instruam usuários e criadores a melhor atravessar as ruas e a guardar para o amanhã dos outros o mundo que empilhamos em miríades de imagens, de todo o jeito, pra lá e cá, enchentes, explosões, conflitos, medos, paranóias: "anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar".

Nascido ilusão periga o cinema virar desilusão.

3 comentários:

  1. Lucidez.
    Bjs,
    Monica (CUP)

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  2. Este texto singelo e brilhante, que começa pela referência à música de Lobão e termina citando Assis Valente, compositor que teria se matado na Praça Paris, que fica perto da Lapa e não na Cidade Luz dos irmãos Lumiére, passa sutilmente pela questão da “persistência retiniana” fenômeno que tornou possível o ilusionismo cinematográfico. Mas enquanto o autor do texto projetava cachoeiras de imagens no terraço da Escola de Artes Visuais e eu, na época seu aluno, me deleitava, estudos nas áreas da fisiologia e neurologia procuravam demonstrar que a persistência da visão seria um mito. Segundo publicação da Wikipédia, a enciclopédia livre, o fenômeno da persistência retiniana foi contestado pela primeira vez na teoria da Gestalt, que o interpreta como uma manifestação do cérebro, que associa imagens distintas, podendo criar assim a ilusão do movimento. Numa análise simplista uma tese não anula a outra, pois é óbvio que as imagens chegam ao cérebro através da retina. Talvez seja por isso que ainda hoje o conceito da persistência retiniana seja usado, especialmente por teóricos do cinema. Polêmicas a parte, para mim o ponto alto do texto é exatamente a sua conclusão, quando o autor se refere à diversificação das imagens tornando-as quase que banais, pois soltas e perdidas no seu próprio universo imagético não nos levam a lugar nenhum: “... Apesar de tanta liberdade de criação escassa é a de expressão: conglomerados compram e ocupam o máximo que podem os espaços de circulação. É fácil fazer filmes, difícil é fazer cinema. Fazer com que tantas imagens ao invés de aprisionarem na ilusão do espetáculo, instruam usuários e criadores a melhor atravessar as ruas e a guardar para o amanhã dos outros o mundo que empilhamos em miríades de imagens, de todo o jeito, pra lá e cá, enchentes, explosões, conflitos, medos, paranóias...” Eu acrescentaria citando outro compositor: “... Fui convidado para ser estrela do nosso cinema. Ser estrela é fácil sair do Estácio é que é o X do problema...”

    Nélio Ferreira Lima

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  3. Me peguei exatamnete nessa frase: "Fazer filmes é fácil, difícil é fazer cinema". Santeiro continua sendo um grande pensador e instigador da arte cinematográfica. Ele é 100% cineasta e sua visão dá o tom real. Adorei seu comentário Nélio e o seu blog Jô. Super! Precisamos nos sentar para falar sobre esse assunto, que amo tanto. Grande beijo, Sossô

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